sexta-feira, 4 de abril de 2008

A luta pelo Direito - Rudolf Von Ihering

“O fim do direito é a paz e o meio para atingi-lo é a luta” é na transcrição desta parte do texto que iniciamos a nossa jornada pelas páginas deste magnífico livro, intitulado A LUTA PELO DIREITO de Rudolfo Von Ihering. O autor trata do direito como cerne da vida e como tal constantemente afadigado pelas constates investidas maléficas da injustiça. Para que não pareça prosopopéia vale-nos dizer que o direito “é uma força viva” e advém desta idéia o fato que um labor continuado é exigido deste.

Faz-se necessário ao extremo dividirmos as acepções do direito: a) objetivo é o ordenamento jurídico em si e b) subjetivo que é a ação concreta do direito subjetivo. E, com esta divisão, retornamos à conhecida premissa que reza que “o direito não socorre aos que dormem” e exprime de forma satisfatória este fato. É preciso manter uma luta constante contra a ilegalidade que representa as violações da lei.

Quando afirmamos que o direito é o cerne da vida não nos propusemos, de forma alguma, a apresentar o direito como onipotente mas antes aceitamo-lo como limitado e trazemos à tona a luta que o novo direito deve travar para garantir o seu ingresso. “Um direito concreto, uma vez constituído, pretende sobreviver eternamente” e, pela própria evolução da sociedade, cria-se a necessidade de novas leis dada a sedimentação das anteriores.

Mas não é preciso se assustar com tal afirmação. O processo de criação do direito é algo que se forma naturalmente, advindo da consciência jurídica nacional e por isso se cria “sem dor, sem fadiga, sem ação, como as plantas agrestes” cresce sem que se veja, brotando como que naturalmente do processo de evolução da sociedade.

Pergunta-se agora o leitor: Como pode o direito nascer sem luta e pela luta viver? Caro leitor, acreditar que o direito nasce sem luta é como acreditar que os bebês são trazidos pela cegonha. Esta é apenas a concepção romântica do direito que se fez necessária para mostrar que, o direito está impregnado de luta e de sangue. Exemplos para fundamentar tal afirmação acontecem todos os dias e são apresentados como a efetivação do direito subjetivo. Diante de um caso de violação dos seus direitos, o indivíduo pode optar por lutar e assim garantir o cumprimento do direito, ou simplesmente eximir-se da luta na busca da paz. Cabe a decisão que escolherá qual é o mais importante: o direito ou a paz.

Ao fazemos esta afirmação estamos sim colocando em planos opostos o direito e a paz. Ora, colocando-os em planos distintos e antagônicos apresentamos que a violação do direito representa a luta. Ao subtrair-se da luta, e portanto do direito, o indivíduo comete o “suicídio moral”. A luta pelo direito não se faz somente pelo direito em si mas principalmente por se apresentar entrelaçado com a honra. Quando se abnega o uso do direito, passa-se a ignorar também o sentido da moral para a sobrevivência do homem.

No momento que sentir o direito transgredido, o homem buscará a “auto-preservação moral” e intensificará a luta para garantir seu direito. Esta luta se apresentará em maior ou menor grau de acordo com a importância dada ao direito que ele sente como tendo sido transgredido. Neste aspecto apresenta-se a intima ligação do direito com a honra. Esta luta travada pelo indivíduo não advém da simples transgressão de um direito e sim da negação de um direito que se apresenta como fundamental, tão importante que é preferível sacrificar a paz para obter o gozo deste direito, só possível mediante a luta. Assim, “a luta pelo direito é um dever do sujeito do direito para consigo mesmo”.

Não apenas consigo mesmo, mas também para com a sociedade, o individuo deve lutar para garantir o gozo dos direitos. Caso o direito da sociedade não seja resguardado não lhe cabe mais este nome. Deixa pois de ser direito e perde-se, em matérias e em conceitos, em caminhos tortuosos que furta-lhe o direito de ser chamado de direito pois, “a essência do direito é a concretização prática” Ora, no direito social quando cada um defende e assegura o cumprimento da lei, defende também todo o direito sabendo que, caso ocorra uma omissão generalizada da norma jurídica, esta será inutilizada. Neste sentido, é necessário o empenho das autoridades públicas para fazer as normas e da sociedade para utilizar-se delas e fiscalizar o cumprimento das mesmas.

A concretização das normas advém das motivações que obrigam o sujeito a insistir (porque não dizer, lutar) pelo cumprimento do direito. Sendo assim, este está diretamente subordinado ao interesse e ao sentimento dado ao direito e, caso exista medo ou o sentimento seja débil e fraco, a conseqüência será a inaplicabilidade da norma jurídica. Existe sim a convocação maciça do homem para lutar pelo direito pois que, se houver um desprendimento generalizado no sentido da luta pelo direito, o processo de inutilização da norma jurídica pode adquirir proporções gigantescas. Quando o homem exime-se do cumprimento do direito nutre a injustiça e cria um elo de destruição para si mesmo.

Todo indivíduo é responsável pela fiscalização do cumprimento da norma jurídica e como tal deve ser fiel seguidor da mesma. A benção que representa ser o fiscalizador do cumprimento e da aplicabilidade do direito em si torna-se maldição quando o sujeito se vê obrigado a cumprir também a norma. Por isso que na representação do direito existe a espada, mostrando que existe tanto a proteção ao sujeito, no caso de um direito transgredido, quanto a obrigação do cumprimento das normas.

É deveras importante ressaltar que o interesse da luta pertence a todos, indiscriminadamente. Assumindo que a nação é a soma de todos os indivíduos, caso haja um sentimento apático dos indivíduos pela concretização do direito este sentimento contaminará o direito tornando-o débil e fraco. O direito então “habitua-se, portanto, a tolerar a injustiça” e passa a aceitá-la como algo imutável e tornando-se atrofiado e apático, transformando em insensível totalmente destituído de ação energética.

“Ninguém se atreverá a surrupiar (...) o seu direito, mesmo no que toca às coisas modestas e mínimas” então, o individuo jamais deixará chegar ao ponto em que, por falta de uso, o direito seja renegado.

Não devemos, no entanto, esquecer da função do Estado que é de guardar a lei. Quando o sujeito infringe uma lei não está apenas indo contra o outro individuo que está tendo o seu direito transgredido mas também contra o Estado por ser este o guardador do direito. Na transgressão do direito não existe apenas uma falta contra a vítima mas contra o ordenamento jurídico e contra norma moral.

Não podemos nos abster do tratamento da justiça, objetiva e subjetiva, pois, assim como o direito, ela possui ramificações. A justiça objetiva está ligada ao ressarcimento assegurado à vitima pelo dano material causado por outrem enquanto a justiça subjetiva trata de aspectos ligados ao sentimento de direito ofendido, que impõe pena ao infrator. Esta pena decorre-se tanto pela necessidade de afagar o sentimento de “direito respeitado” à vítima quanto para reprimir o sujeito por ter se voltado contra o Estado.

Para sintetizar as idéias apresentadas ao longo do texto poderíamos optar por falar sobre a responsabilidade que cada individuo tem de suscitar o direito, tanto para si quanto para a sociedade, ou dos níveis de desenvolvimento do direito, ou das formas de justiça, mas foi preferível apresentar a idéia de algo novo para que o leitor proponha-se a pensar sobre o assunto. Sendo assim: não há direito sem luta.

Edilson Aguiais
Faculdade Alfredo Nasser